Nessa entrevista, publicada no jornal "O Estado de São Paulo", Fernando Henrique Cardoso fala sobre o atual posicionamento dos partidos políticos:
Que lhe parece a avaliação da americana Frances Hagopian de que o PSDB deveria “assumir-se como de centro-direita?
Acho que ela tem uma contribuição positiva, mas exagera a programatização dos partidos. A tese dela é que os partidos se
tornaram mais programáticos e isso permitiu a aprovação das reformas. Quando fala em programatização, tem essa visão de que o PSDB fez aliança com o centro, com a centro-direita. E o PT, que era de esquerda, acabou vindo para a centro-esquerda etc. Isso é uma visão dos rótulos dos partidos. A dinâmica no Congresso é bem outra. Essas caracterizações tipo centro, centro-esquerda, centro-direita, neoliberal, socialista são externas à prática real. O que há é
uma base, que sustentou o governo Lula. Que também sustentou a mim, ao Sarney.
Não se deve, então, falar em esquerda e direita ?
Há uma insistência nessa dicotomia. Isso se deve à falta de analisar os processos reais, o mundo concreto. Não é que inexista uma esquerda, mas… o que significa a esquerda hoje? Ninguém mais pensa, como no passado, coisas como coletivização dos bens privados, feita por um partido que dominasse o Estado em nome de uma classe. Isso não ocorre mais.
Mas não existe uma “modernização” do modelo? Por exemplo, a opção de um Estado forte, centralizando a economia, com forte apoio
do BNDES a empresas?
Isso o general Geisel já fazia nos anos 70. Não chamaria isso de esquerda. É um modelo econômico sustentado em vários setores, em vários momentos da história. Como fez o Geisel.
No ensaio O Futuro da Oposição, o sr. pedia ao PSDB uma atenção especial às novas mídias e à nova classe média. Há uma ideologia
nesse fenômeno?
Eles funcionam como se fossem radicais livres. São pessoas que mudaram de categoria de renda, mas que ainda não são, sociologicamente, uma classe. Na medida em que vierem a ter as mesmas teias de relações sociais, vão exigir maior qualidade dos serviços do Estado.
E que ideologia eles adotarão?
Cada um vai para um lado. Na verdade, a população nem sabe bem o que é esquerda ou o que é direita. O fato é que todos vão demandar coisas concretas.
E as tarefas do PSDB?
Esse foi o ponto em que eu concordei com a análise da Hagopian, o PSDB tem que se diferenciar, assumir o que fez. Mas qual a diferença, neste momento? O PT está privatizando aeroportos, privatizando estradas, fez um Proer recentemente para salvar alguns bancos pequenos… E veja, antes isso era herança maldita… Essas diferenças entre os petistas e o que eles chamavam de neoliberalismo não existem mais. O que existe é a maior ou menor ingerência dos partidos na gestão da coisa pública. No nosso tempo, havia menos ingerência.
Quando Gilberto Kassab disse que o PSD “não é de centro, nem esquerda, nem de direita”, foi um sinal da desimportância da
ideologia nos partidos brasileiros?
Provavelmente, sim. Como não estão se desenhando alternativas ao que aí está, fica difícil dizer o que é esquerda, o que é direita. Não se esqueça que, há um bom tempo, o Paulo Maluf se declarou social-democrata.
Se tivesse se dar um nome às ações do PSDB iniciadas pelo seu governo, qual seria?
Primeiro, temos uma tradição republicana, nos diferenciamos bastante nisso. A coisa pública tem que ser respeitada como tal e não ser objeto nem de apropriação privada nem político-partidária. Isso é uma linha. Não é esquerda nem direita, é republicana.
O lulismo pode ser chamado de uma ideologia?
Não. É um estado de espírito, um sentimento. Não é ideologia. Não está propondo nada.
O que o sr. diz da direita?
Quem defende a direita no Brasil? Ninguém. Mas na prática ela existe – mas a nossa direita é muito mais o atraso, o clientelismo, fisiologismo, esse tipo de questão, do que a defesa dos valores intrínsecos da propriedade, da hierarquia. Não tem muito essa defesa.
E como o PT conseguiu aliança com o clientelismo mantendo a imagem de partido de esquerda?
Isso foi a grande pirueta que o PT fez. Como ele nasceu como partido dos trabalhadores, com uma luta assentada nisso, na inclusão social, ele se deitou no berço esplêndido da política tradicional. Se houve uma metamorfose importante, foi exatamente isso, porque o Lula simboliza isso. Ninguém foi capaz de reviver tantas forças do tradicionalismo e se sentir cômodo nelas como o próprio Lula. E ainda dar-se bem eleitoralmente.
Veja a entrevista completa no Observador Político: http://www.observadorpolitico.org.br/2011/10/centro-direita-nao-tem-nada-a-ver-com-psdb/
Nenhum comentário:
Postar um comentário